domingo, 8 de julho de 2018

Sobre pensar e existir: o que transcende a dúvida?

Embora pretenda tratar sobre diversos assuntos nesse blog, acredito que filosofia seria uma ótima introdução. Sem muita pretensão, quero mostrar umas premissas bem interessantes do pensamento puro e utiliza-las para uma conclusão: a "prova" de que esta realidade é última, ou seja, que você não vive em um sonho, simulação de computador ou vendo sombras numa caverna. Isto é, que nossa existência é real.

O nome prova está entre aspas porque estamos falando de um assunto metafísico, ou seja, está além da física, aqui não se prova nada. De fato, em ciência alguma se prova alguma coisa. Karl Poper, um dos fundadores do moderno método científico, nos lembra que o conhecimento deve ser necessariamente falseável para ser considerado ciência, em outras palavras, jamais pode ser provado verdadeiro. Para aquilo que não se encontra uma contraprova, dizemos que é fortalecido. Vamos ver um exemplo: a teoria física da Termodinâmica, bem conhecida nossa e estudada por quase todo mundo no ensino médio, afirma, falando sem pompa, o seguinte:

"O calor corre sempre do corpo mais quente para o corpo mais frio"

Até hoje, em nenhum experimento e em nenhum lugar do universo, mediu-se o calor passando de um corpo mais frio para um corpo mais quente. Mas tal fato não deve ser tomado como falso apenas não ter sido observado, pode ser que, em algum canto bem distante do universo, isto esteja ocorrendo agora, todavia, como nunca se observou algo do tipo, dizemos que a teoria é fortemente embasada experimentalmente. Perceba que ela nunca pode ser provada.

É como procurar coelhos, você pode encontrar apenas coelhos brancos e sentir-se tentado a dizer que todos os coelhos são brancos, mas a não ser que procure em todo o universo, jamais poderá fazer tal afirmação. Para cada coelho branco que encontrar ao longo de sua pesquisa, mais provável é que esteja certo, aproximando-se cada vez mais da verdade, sem nunca alcança-la. Como você deve ter percebido, basta um coelho de outra cor e você terá que reformular seus pensamentos, teorias, tudo. Foi mais ou menos isso que aconteceu quando começou-se a pesquisa na física quântica e na teoria relativística.

Nas palavras de Carl Sagan: "ausência de evidência não é evidência da ausência". A não observação de um fenômeno não implica sua inexistência.

Bem, essa explicação foi necessária para introduzir a primeira premissa. Voltando à metafísica, a primeira premissa que iremos introduzir é conhecida como Navalha de Occam, um princípio lógico que diz, sem pompa, o seguinte: dentre todas as hipóteses para uma explicação, a mais simples é a melhor. O principio tem esse nome por ser atribuído ao inglês Guilherme de Occam e por "cortar" fora tudo aquilo que for desnecessário. No original:

Pluralitas non est ponenda sine neccesitate ("A pluralidade não deve ser posta sem necessidade")

É necessário esclarecer apenas alguns pontos sobre tal premissa: admite-se que todas as hipóteses são igualmente prováveis, ou seja, que não há evidências para nenhuma delas. É uma questão de não complicar, desnecessariamente, alguma explicação. Mas porque a mais simples seria a melhor? Olhe ao seu redor, a natureza é econômica, não há espaço para complicações desnecessárias. Um dos usos mais famosos desse principio lógico, na ciência, foi feito no início do século XX, quando decidiu-se descartar a hipótese do éter luminoso para se explicar a propagação das ondas eletromagnéticas no vácuo.

A segunda premissa que vou utilizar é uma variação do argumento cosmológico da primeira causa. Também é conhecido como Teorema de Kalam, diz que "Tudo, até mesmo o tempo, teve necessariamente, um início". Antes da prova do teorema, uma pequena ideia moderna de tempo: diferente do que Newton pensava, o tempo não é alheio ao que acontece, ele é dependente do movimento e está intrinsecamente ligado à velocidade dos corpos, como previsto e observado pela teoria da relatividade. Em um sistema fechado, se nada acontece, não existe tempo, pois não há referencial para marcação. O tempo é apenas a cadência dos fatos, se nada acontece ou se não existe movimento, então não existe tempo.

Vamos à prova: suponha que o universo seja eterno, isto é, não teve um início, é infinito em direção ao passado. Se o tempo é infinito para o passado, como pode o momento presente ser real? Para que o momento presente existisse, teria que ter decorrido um tempo infinito até agora. Mas o que significa esperar por um tempo infinito? Significa que nunca acontecerá. Portanto, se admitirmos um universo eterno chegaremos nesse absurdo, conclui-se que o tempo teve um início, de outra forma, não estaríamos aqui. Ok, mas cadê a prova da realidade última e etc.? Calma, precisamos só de mais alguns conceitos sobre a consciência e vamos chegar lá.

Platão, uma vez disse: "uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida". Lembro-me de uma vez ter lido, nos livros de filosofia do ensino médio, algo que refutaria facilmente tal proposição, o título do texto dizia: "conhecer é sofrer" e como breve prova, apresentava a vida de pessoas comuns: a vendedora de verduras na esquina, o padeiro simpático, ou qualquer outra pessoa sem muita preocupação em problemas que os intrigasse por muito tempo. Tais pessoas, alegava o texto, seriam mais felizes por não duvidarem tanto de seus pensamentos, viveriam, portanto, mais saudáveis com a própria consciência, não questionando a origem ou moral de suas ações.


Mas o que é consciência?

Nossa espécie definiu-se como homo sapiens (ou homem sábio).
Após séculos de observações de outras espécies, não encontrando nenhuma capaz de comunicar-se igualmente conosco, temos razões para acreditar que somos os melhores em transmitir e receber informações de todo tipo, seja ela emocional ou didática. Não seria exagero dizer que somos os dominantes da linguagem.

Com esta mesma linguagem nos proclamamos conscientes, seres capazes de questionar a própria existência, pensar no pós morte e no anterior à vida. Esta seria a prova última, segundo René Descartes, que somos seres presentes, não necessariamente nessa realidade, mas em alguma realidade qualquer, seja ela simulada por computador ou sonho. "Penso, logo existo" com certeza você já leu ou ouviu esta frase, mas será que entendeu? Talvez a versão em latim ajude "Cogito, ergo sum" ou "duvido, logo existo". Ela retrata seguinte: você pode questionar absolutamente tudo a sua volta, isso é totalmente plausível, basta assistir Matrix e você não é mais o mesmo. Mas existe algo que esteja além de qualquer questionamento? A resposta de descartes foi que sim. Esse algo é o próprio ato de questionar, ou seja, a dúvida! Duvidar da dúvida é um absurdo, você estaria assumindo que seu questionamento das coisas é desnecessário e tudo é absoluto e verdadeiro como você quer, não existiria nem a necessidade de pensar. Portanto, se penso e me questiono, então existo.

Mas como isso prova algumas coisa? Vamos começar assim: suponha que esta realidade que experimentamos não seja real, seja apenas uma interpretação, o equivalente à caverna de Platão, do seu livro VII em A República. Teríamos então, apenas uma simulação (as sombras) e uma realidade (fora da caverna). Chame agora de r1 a realidade das sombras e de R1 a realidade "geradora" da anterior (lado de fora da caverna). Essa realidade R1 pode ser uma interpretação de outra realidade r2 (como um sonho), que por sua vez pode ser uma interpretação de outra realidade R2 (um computador, que simula sonhos). Por sua vez a realidade R2, pode ser uma interpretação de uma realidade R3, o que faria dela uma realidade r2.

Como vimos pelo Teorema de Kalan, esse ciclo não pode continuar regredindo infinitamente em um universo temporal, logo, é necessário que exista um começo, o começo de alguma interpretação se da na realidade última. Todavia, ainda podem existir 10, 30, ou 1000 realidades interpretadas e apenas uma absoluta, certo? O que fazemos então? Navalha de Occam nelas! Não há nenhuma evidência baseada em experimento que indique a provável existência de outras realidades, então não há motivos para acreditar que existam outras.

Claro, você pode desconfiar sempre que existe algo a mais. Veja, por exemplo, as interpretações da Mecânica Quântica (MQ). A mais aceita de todas é a de Copenhague, mas há também a do multiverso, a maioria dos físicos descarta essa justamente porque é mais complexa, todavia aceitar a de Copenhague chega a ser quase uma covardia. Einstein, Podolsky e Rosen escreveram um artigo que é o primeiro a aparecer no Google (acadêmico) se você por o nome de Einstein lá. O artigo trada do quanto a descrição da realidade pela MQ é insustentável em alguns pontos. O melhor exemplo que tenho é o do vácuo quântico, quando perguntam de onde vêm as partículas que aparecem do nada e somem em um intervalo infinitesimal, a resposta normalmente é "porque é assim e pronto". Mas acreditar que as partículas vêm de outro universo também faz tanto sentido quanto.

Enfim, acho que por aqui já está bom, termino de escrever com um desejo, infelizmente impossível. Queria que Nietzsche pudesse ter visto o nascimento da física moderna, não me canso de pensar em como ele retrataria tanta mudança na ciência.