quinta-feira, 21 de julho de 2022

Sobre reflexões lúcidas dentro de um sonho

    Escrevo esse texto exatamente às 15:35 e me arrependo de não o ter começado antes. Por volta das das 10:30 sonhei o sonho mais lúcido da minha vida, algo que me pareceu surreal por não ter nada de surreal. Um sonho consciente, sem nenhuma alucinação, totalmente normal e em um nível de lucidez que nunca experimentei antes. Dentro do sonho tive diálogos sobre o próprio sonho em si. O motivo do meu arrependimento é que, por não ter descrevido o que aconteceu às 10:45, quando me levantei, esqueci de boa parte dos detalhes, em especial, me esqueci das respostas que meu pai deu quando o respondi que sabia que ele não era real. 

    Não lembro exatamente como o sonho começou, mas me lembro exatamente quando me dei conta de que estava sonhando. O sonho se passa na rua de minha casa e estou caminhando. Dobro a esquina e vejo minha avó materna chegar com umas sacolas de compras. A cumprimento. Minha avó fala algo e imediatamente entra em uma casa que nunca morou. Seu aspecto era bem mais jovem e eu sei de onde retirei aquela visão. Minha mãe havia enviado algumas fotos antigas para mim exatamente na noite antes de sonhar. Não lembrei disso no sonho, mas quando vi minha vó mais jovem, imediatamente me dei conta de aquilo não poderia ser real, pois seu aspecto está bem diferente hoje.

    O que aconteceu depois disso? Não despertei, o sonho continuou normalmente, calmo, sem perturbações. Eu estava completamente consciente de que aquilo era um sonho e comecei a fazer reflexões a respeito deste fato.

    O que acontece quando percebemos que estamos sonhando? Se você já teve um sonho lúcido, sabe que normalmente o sonho se torna instável naquele momento, começamos a tentar manipula-lo apenas pare ele acabar logo em seguida. Mas não tentei manipula-lo dessa vez, o que aconteceu foi o oposto, eu lembro de ter mantido a calma e começar a pensar sobre o quanto aquilo era estranho. Resolvi, então, retornar para minha casa. No caminho vou reparando nos detalhes de cada objeto, tento notar algo de estranho mas não vejo nada fora do real. Já dentro de casa lembro-me do ditado que diz "me belisque se eu estiver sonhando" e dou vários beliscões no meu braço esquerdo, nada acontece. Comecei a rir mais lúcido ainda, pois lembro de sentir os beliscões com clareza sabendo que aquela sensação não era real.

    Atravessando minha casa avisto meu pai no quintal pela porta da cozinha, ele está trabalhando na mesa do lado de fora, de costas para mim, uma cena habitual que vi várias vezes ao longo da minha vida. Antes de começar a conversa, eu o alerto.

    - Pai, sei que estou sonhando, mas vou conversar com o senhor.

    Ele solta um sorriso besta, daqueles que iniciam uma boa conversa e questiona:

    - Mas como você sabe que está sonhando?

    - Eu acabei de ver a vó Ana na esquina entrando numa casa que ela nunca morou.

    Ele solta um sorriso levemente mais alto e diz:

    - quer dizer que tu tá sonhando e não acordou ainda? 

    - é exatamente isso. É estranho, caminhei da esquina até aqui, entrei em casa, me belisquei e até tentei reparar em algo fora do normal, mas não vi nada. Até agora não acordei.

    - então tudo isso aqui é teu sonho?

    - Sim, tenho certeza.

    Digo que conversa foi mais longa e não consigo me lembrar mais, o que é estranho, pois eu lembrava no instante em que acordei, mas os sonhos são assim, efêmeros, se vão num piscar de olhos. Não anotei nem mandei áudio para o meu pai descrevendo o sonho. Senti vontade de fazer isso na hora, mas não queria usar o celular após abrir os olhos. Lembro agora, neste exato momento em que escrevo, que em cima da mesa estava o infame rádio que meu pai sempre carrega consigo, estava tocando alto enquanto ele trabalhava, e no rádio tocava uma música do Pink Floyd.

    Veja o quanto é estranho, narrar o sonho aqui me faz lembrar de detalhes que eu havia perdido. Este texto agora se desenvolve conforme a minha memória avança, mas é assim mesmo, as memórias de um sonho são sutis e fáceis de se perderem. Discorrer sobre elas é um bom exercício. Outra coisa estranha é que sei que tocava Pink Floyd, mas não consigo lembrar a música. Durante o banho, após levantar, ouvi Pink Floyd na tentativa de lembrar qual música tocava no sonho, mas em vão.

    O sonho não acabou após o diálogo com meu pai no quintal. Lembro que peguei um cabo de vassoura nas mãos e comecei a balança-lo rapidamente de um lado para o outro, fiz isso no intuito de testar a capacidade do meu sonho de simular o movimento. Percebi que o cabo simplesmente desaparecia de um lugar para outro. Nem me dei o trabalho de comentar ou mostrar o comportamento estranho do cabo para o meu pai, pois estava ciente de que aquilo era um sonho, se meu pai era parte do sonho, então não poderia perceber as sutilezas do que eu via, ele era simplesmente uma simulação feita em meu subconsciente com as memórias que tenho do meu pai. Apesar de saber disso, naquele momento, ele era extremamente real.

    Dei mais alguns passos até o beco e continuei com o cabo de vassoura na mão. Depois de mais alguns testes resolvi aceitar o fato estranho daquele sonho ser extremamente estável. Se eu não vou acordar, pensei, agora vou aproveitar para tentar manipular o sonho, e neste momento eu acordo. Como sou um pervertido, tentei criar uma certa mulher nua. 

    Tudo isso me causou tantas reflexões que descrevi o sonho para meu pai. A capacidade de refletir tantas vezes dentro do sonho sobre ele em si me marcou profundamente. Em nenhum momento isso perturbou o sonho em si, tenho 26 anos e não recordo de nada igual na minha vida, em geral, a experiência foi prazerosa e espero tê-la mais vezes.