quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Sobre a divergência de pensamentos

O narcisista é incapaz de amar, por isso lhe ofende que os outros não sejam espelhos. Suportar a diferença, a contradição, não é algo simples. Durante a  pandemia, vi muita gente condenar os antivacinas à morte, realmente, nos piores momentos da CPI da covid-19, foi difícil segurar os nervos. Mas e quando o antivacina é seu irmão? O mesmo ódio não se aplica, entra em cena a reflexão, a procura por argumentos e o esforço do convencimento. É de dar pena o fanático. Como levar a luz para quem se cegou na escuridão? A mais pequena vela de lucidez fere os olhos de quem só vê certezas neste mundo. A psicologia reversa talvez funcione, por muito tempo argumentei assim com terraplanistas. Há sempre um contra-argumento raso, que faz sentido lógico, ainda que incorreto, mas para mostrar isso é necessário um esforço desproporcional em nível de aprofundamento que acaba sendo inútil para o outro lado. Nestes casos trágicos a única solução que encontrei foi o argumento de autoridade, que no fundo é uma falácia, embora escancare o absurdo aos olhos por meio da arrogância, como há de ser na falta de paciência. Aprofundar sem entender o assunto é afogamento, matarei afogado os que se levantarem contra a ciência, irei expor a vastidão que existe no oceano do saber na tentativa de fazer alguém ver o horizonte da própria ignorância. Acredito que com esta pressão psicológica seja possível conversar com quem nunca viu de perto o desconhecido.

Certa vez pensei em levar um terraplanista na biblioteca da universidade (UFPI) para lhe mostrar a seção de física, depois a de astronomia, geodésia, cartografia, topografia, climatologia, genética e tantas outras. Talvez após uma avalanche de livros e autores alguma centelha de humildade brilhe em sua mente e ele se pergunte porque haveriam tantas pessoas e livros errados, com apenas ele estando certo. Proponho o combate à prepotência com ainda mais prepotência, não me espanta que sejam religiosos. Pois eu também o sou, minha religião é a ciência, minha deusa, a dúvida, e dela nada está além senão ela própria.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Sobre os Teoremas de Gödel

Paradoxo. Produto imaterial da linguagem humana, verbo do absurdo. O falso e o verdadeiro interligados em uma fita de Möbius, não orientáveis por natureza. Para o pensamento, playground. Sabendo que seus caminhos sempre levam ao mesmo lugar, alguns brincaram tanto nesses laços que muitos paradoxos carregam o seu descobridor. O Paradoxo de Epícuro, por exemplo, inspira grande debate teológico entre acadêmicos (SOUSA, 2021), os atributos divinos de onisciência, onipotência e benevolência não podem coexistir em um único ser. Em grupo ou individualmente, cada uma dessas características carrega inevitáveis contradições. Acaba que, para fugir da inconsistência, a Deus se atribui uma outra característica, por vezes esquecida pela maioria dos seus seguidores, mas sempre apelada como fuga, pois Deus transcende. Se incompreensível é o Mistério Divino, porque pensar que o suposto criador do tempo e do espaço se submeteria à lógica da sua própria criação?


Fita de Mobios - objeto 3D com a estranha característica de possuir apenas um lado
Imagem: https://www.imaginaryfoundation.com


Paradoxos costumam ser usados na ficção para desligar inteligências artificiais. Se supõe que um computador não seja capaz de suportar a contradição. Yuri Harari, em Sapiens, se tivesse que escolher uma palavra para definir o ser humano, disse que teria escolhido esta. É verdade, nenhum computador pode suportar o contraditório. Computadores não trabalham com a linguagem humana, sua comunicação é rigorosamente definida por portas lógicas, que no fundo, obedecem apenas à aritmética. Esta linguagem, como você deve imaginar, não está sujeita a sinônimos, ambiguidades ou hermenêuticas (interpretações), e deveria, a primeira vista, estar livre das armadilhas da língua falada.

Mas e se não estiver? Em 1931 Godel provou que, nem mesmo ela, a divina matemática, está livre das contradições. Esses resultados se eternizaram como Teoremas da Incompletude, e são, provavelmente, os teoremas mais importantes do século XX, repercutindo fora da matemática e ocasionando mutações do estilo de pensamento na física, na computação e nas ciências humanas (LANNES, 2008). Há inúmeros exemplos, mas alguns são dignos de nota, assuntos metafísicos como o argumento de que a mente humana ultrapassa qualquer máquina (RAATTKAINEN; PANU, 2005); o argumento da existência de uma lógica divina transcendente; e o argumento da infinitude do conhecimento natural (LANNES, 2008, p. 121), são todos sustentados pelos Teoremas da Incompletude.

Não é exagero dizer a filosofia da ciência, como um todo, foi transformada epistemologicamente por tal teorema. Nas palavras do professor da UFRJ, Ricardo S. Kubrusly


“O teorema de Gödel é talvez o mais surpreendente e o mais comentado resultado matemático do século. Com certeza, é o mais incompreendido e um dos únicos teoremas que se presta a discussões filosóficas acaloradas e imediatas. Não é preciso estudá-lo a fundo para notar a semelhança entre suas conseqüências e a de algumas máximas da física moderna ou mesmo da metafísica, onde, diferentemente da matemática, a liberdade interpretativa empresta um delicioso sabor de trapaça a qualquer verdade enunciada.” (KUBRUSLY, S/ ANO, p. 1).


Os Teoremas da Incompletude de Gödel têm origem na investigação do terceiro problema da famosa lista de David Hilbert. Hilbert determinou, no início do século XX, quais eram os 23 problemas matemáticos que deveriam nortear os esforços de 1900 em diante. O terceiro problema de sua lista perguntava o seguinte: é possível provar que a matemática é completa, consistente e decidível? Divaguemos um pouco para entender o que isto significa.

Todo cientista que se preze sabe que suas afirmações são contestáveis. Nas palavras de Karl Popper “ciência alguma é capaz de chegar à verdade”. Sabemos que o método científico funciona, o fato de que escrevo isto, neste dispositivo eletrônico, é uma prova cabal disto. Todavia, por si só, o método não é capaz de se provar, isto é, não é capaz de se explicar e dizer por que ele mesmo funciona. Na matemática, por outro lado, o método científico não se aplica, pois ela funciona inteiramente por dedução. Isto significa que, uma vez provado algo não sobra espaço para alterações. O Teorema de Pitágoras permanecerá válido até o final dos tempos, pois ele foi provado verdadeiro, algo impossível de acontecer nas ciências empíricas.

Devido a este modo de operar, muitos contestaram se a matemática seria realmente uma ciência, pois ao contrário das ciências naturais, nela é possível se atingir o conceito de verdade inabalável. Devido a isto, no final do século XIX, se acreditava que a matemática fosse um sistema fechado, capaz de provar a si própria, com premissas (axiomas) finitos e livres de contradição entre si. Mas o que significa, para a matemática, ser capaz de provar a si própria? Significa que uma vez conhecido o conjunto de axiomas que a sustentam, todo o resto poderia ser deduzido a partir deles. Isto é, a matemática seria completa e consistente, ao ponto de ser possível escrever um programa que provasse qualquer coisa nela.

Por decidível se entende o seguinte: se a matemática for decidível, então é possível criar um algoritmo capaz de provar qualquer sentença – mostrar se ela é falsa ou verdadeira – a partir dos axiomas. Pois bem, acreditando que isto era possível, muitos matemáticos partiram em busca destes axiomas, que, se fossem descobertos e listados, tornariam a matemática a verdade absoluta, divina, de perfeição inabalável, completa, fechada e consistente, como sempre se sonhou. Em 1931 Kurt Gödel acabou esse fetiche divino, provando, com a força de um teorema, que isto era impossível.

Gödel, no seu primeiro teorema, provou o seguinte: a matemática, para ser consistente, necessariamente tem de ser incompleta. No seu segundo teorema, provou que qualquer esforço de a tornar completa, necessariamente levaria a sua inconsistência, numa recursividade infinita de novos axiomas e contradições.


Drawing hands
Uma mão que desenha a si mesma, uma alegoria para a matemática tentando provar sua consistência.
Fonte: A imagem é do pintor Maurits Cornelis Escher (1898 - 1972).
A alegoria é uma ideia minha.


Vajamos um pouco das consequências práticas dos teoremas de Gödel e do seu significado para o pensamento humano. Gödel trabalhava nos fundamentos da matemática, estes fundamentos acabavam de tomar forma com o trabalho de Bertrand Russel e Alfred North Whitehead, que escreveram uma obra de 3 volumes chamada Principia Mathematica (não confundir com os Principia Filosofia, de Newton). Publicada em 1913, esta obra tem 2000 páginas de densa notação lógica-matemática, ela objetiva definir uma linguagem simbólica para a lógica e um conjunto rígido de regras para a manipulação destes símbolos. Levam-se, por exemplo, 762 páginas para provar que 1+1 é igual a 2, é quando Russel aproveita para comentar que “a preposição acima é ocasionalmente útil”. Um recorte dessa página está na figura abaixo.


Página da prova de que 1+1 é igual a 2.
Fonte: “Math Has a Fatal Flaw” vídeo do canal Veritasium.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HeQX2HjkcNo&t=785s>.
Acesso em: 08/09/2021.


Pois bem, Gödel provou seus dois teoremas da incompletude em cima desse sistema formal, uma espécie de metamatemática, neologismo que tem a mesma origem da palavra metafísica. Este sistema deveria ser livre de contradições e completo, mas não, Gödel mostrou que existem afirmações que não podem ser provadas. E para provar isso, Godel encontrou uma contradição, um paradoxo que não poderia ser evitado, e mapeou esse paradoxo para dentro da aritmética. Não vale a pena entrar em detalhes da prova aqui, que envolve certos números primos, mas ela não é difícil de se entender, em várias das fontes que cito é possível encontrar demonstrações informais dela. Particularmente, o vídeo no canal Veritasium é uma ótima introdução.

Continuando, quando Gödel chegou a um absurdo com os números inteiros, isto sem fazer nenhum tipo de manobra ilícita dentro das regras da matemática, muitos pensavam que este resultado não teria nenhuma consequência prática, que se tratava apenas de um malabarismo lógico. Posteriormente, com o desenvolvimento da computação, Alan Turing mostrou que em qualquer sistema Turing Completo (capaz de operar a aritmética), sempre existe uma preposição dentro deste sistema que não pode ser mostrada nem falsa nem verdadeira, isto é, existe um indecidível! 

Isto foi consequência direta dos Teoremas da Incompletude. Os computadores que utilizamos hoje em dia, seja os da NASA ou nossos celulares, são todos sistemas Turing Completos. Isto significa que, na prática, existe uma pergunta que pode ser feita a eles que, inevitavelmente, os farão travar. Isto é assombroso, pois não importa o quão seguro e infalível seja o sistema, não importa o poder de computação disponível, é possível garantir que sempre existirá uma pergunta que, quando formalizada na sequência de 1’s e 0’s da máquina, caso seja processada, a fará travar!

Qual é essa pergunta? Pois bem, a pergunta é exatamente perguntar, a um determinado programa em execução, se ele próprio irá rodar indefinidamente (entrar em loop) ou irá parar. Este problema é conhecido na computação como The Halting Problem (Problema da Parada). Sua análise lógica leva, inevitavelmente, a um paradoxo do qual não é possível fugir com a própria lógica. Não confunda isso com o papel de um compilador, estamos falando do nível mais básico de linguagem. Hoje, todos os programas acessíveis ao usuário rodam dentro de outros programas, mesmo as linguagens de programação mais básicas não têm acesso ao código da máquina. Isto impede, ou pelo menos dificulta, que o computador trave.

Em termos filosóficos, Gödel demonstrou, preto no branco, que existem limitações inescapáveis na lógica matemática. A única forma de evitá-la é assumindo um sistema aberto, com infinitos axiomas (incompleto sempre). Mas o que significa, para a matemática, assumir ser incompleta? Significa que dentro deste sistema sempre haverá afirmações que não podem ser mostradas nem falsas nem verdadeiras. Desta forma, o preço da consistência é a eterna incompletude. Para que 1+1 não seja igual a 3 (inconsistência) necessariamente a matemática tem que ser incompleta, e isto é uma vantagem também, pois se ela é infinita na sua base axiomática, disto decorre que sempre há mais matemática. É como se, por ser limitada, ela se expandisse infinitamente. Novamente a contradição. De certa forma, Godel garantiu a existência infinita de emprego para os matemáticos, pois não importa o quanto se estude, sempre haverá mais matemática a ser descoberta.

A importância dos Teoremas da Incompletude é tanta que algumas pessoas os utilizaram como argumento teológico da consistência divina. Os paradoxos relacionados às características divinas surgem porque os analisamos do ponto de vista da lógica formal (paradoxo da onipotência, paradoxo do livre arbítrio, etc.). Como a característica principal de Deus é ser transcendente, muitos argumentam que sua lógica também transcende a lógica humana, e com os Teoremas da Incompletude, os teólogos tem, realmente, um argumento para dizer que sim, talvez exista algo que para sempre estará além da nossa compreensão.

O próprio Gödel chegou a escrever um trabalho em que provava a existência de Deus, mas não o publicou, pois sabia que sofreria retaliação. Por mais prepotente que isto seja, estamos falando de Kurt Friedrich Gödel, o homem que deixou Einstein em crise existencial com as soluções que encontrou na Relatividade Geral (VAIANO; MONTANARO; HARA, 2020). Com certeza, os argumentos envolvidos valeriam a leitura do texto, mas. infelizmente, a vaidade nos impede de muita coisa. Que bom que São Tomás de Aquino estava ciente disso, caso contrário, nunca teríamos acesso ao seus argumentos cosmológicos.

Para finalizar, quero deixar aqui uma última interpretação, esta é minha, mas concorda com o que leio sobre estes teoremas. Se nossa lógica é limitada, simplesmente não há limites para o desconhecido, significa que sempre há algo mais para se descobrir. E se o mundo natural é descrito pela matemática, então consequentemente o conhecimento natural é infinito. A tão divina matemática, assumida por Galileu como a própria linguagem de Deus para escrever o universo, necessariamente é imperfeita. A palavra perfeito, do latim per fecto, significa “totalmente feito”, completa, mas isto ela não pode ser. Cito novamente o belíssimo texto de Ricardo S. Kubrusly


“Acreditamos que o nosso século se tornará conhecido intelectualmente pelas verdades descobertas por Gödel, que nos marcam muito além do sentimento de fracasso que suas considerações finais possam gerar, resgatando a condição humana, há muito perdida dentro da matemática, que por se pensar divina, fabricou o sonho ingênuo de ser completa, consistente e capaz de desvendar o infinito.” (KUBRUSLY, S/ ANO, p. 1).


 Ouroboros

Este símbolo místico representa o conceito da eternidade através de uma serpente que morde a própria cauda. Pensei nele como outra alegoria sobre a inconsistência da prova de si mesma. A matemática, tentando provar sua completude, chegou à conclusão de que é consistente, se, e somente se, for incompleta.



BIBLIOGRAFIA


KUBRUSLY, R. S; Uma Viagem Informal ao Teorema de Godel ou (O preço da matemática é o eterno matemático). Sem ano. Texto online disponível em: <http://www.dmm.im.ufrj.br/projeto/diversos/godel.html>. Acesso em: 21/10/2021.


LANNES, W. A Incompletude além da Matemática: Impactos Culturais do Teorema de Godel no Século XX. 2009. Tese (Ciência e Cultura na História). UFMG, Departamento de História. Disponível em: . Acesso em: 08/09/2021.


RAATTKAINEN, PANU. On the Philosophical Relevance of Godel's Incompleteness Theorems. Revue internationale de philosophie. 2005. n° 234, p. 513-534. Disponível em: <https://www.cairn.info/revue-internationale-de-philosophie-2005-4-page-513.htm>. Acesso em: 08/09/2021.


SOUSA, D. O Paradoxo de Epicuro: O problema do Mal. Texto online disponível em <http://respostasaoateismo.blogspot.com/2011/06/paradoxo-de-epicuro-o-problema-do-mal.html>. Acesso em: 21/10/2021.


VAIANO, B; MONTANARO, J; HARA, C. E. O que são e como funcionam os Teoremas da Incompletude de Godel. Revista Super Interessante. 2020. Texto online disponível em: <https://super.abril.com.br/especiais/os-teoremas-da-incompletude-de-godel/> Acesso em: 21/10/2021.

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Sobre psicodélicos - A Lógica Transcendental de Kant

O idealismo transcendental é uma terminologia formulada por Immanuel Kant que diz ser possível adquirir conhecimento de acordo com a sensibilidade do ser. Para entender isto é necessário saber que Kant considera inacessível à razão os objetos como eles realmente são. Isto significa que Kant considera qualquer objeto algo transcendental, mesmo que seja um objeto ordinário, ele transcende o que você acredita que ele é. Logo, quaisquer objetos que queiramos alcançar com o conhecimento estão para além da cognição humana, de forma que sempre falamos deles de forma aproximada. Para Kant, sequer temos a capacidade de concebê-los. Partindo disso, Kant separa as faculdades do pensamento em duas instâncias, os sentidos e o entendimento. Em suas palavras:

 

 

“Nenhuma destas faculdades tem prioridade sobre a outra. Sem os sentidos, nenhum objeto nos seria dado, e sem o entendimento nenhum objeto poderia ser pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios, consciência sem conceitos é cega [...] O entendimento não pode perceber e os sentidos não podem pensar coisa alguma. Somente quando se unem, resulta o conhecimento.” [1].

 

 

Definidas estas duas faculdades, Kant inicia a sua lógica transcendental, que incorpora o racionalismo e o empirismo. Kant, concorda com os dois quando afirma que as ideias, para existirem, precisam passar pelos sentidos, mas para fazer sentido, elas necessitam de uma estrutura, e esta estrutura do pensamento nasce conosco. De um lado ele concorda com os racionalistas, ao dizer que nascemos com algo, por outro lado ele concorda com os empiristas, quando diz que as ideias somente podem ser obtidas através dos sentidos. A diferença é que ele assume a simultaneidade de ambas no tempo, nenhuma precede a outra, e uma não faz sentido sem a outra.

E o que é a lógica transcendental? É imaginar que o objeto, antes dele ser sentido e pensado, é transcendente. Apenas após passar por nosso intelecto é que obtemos uma ideia aproximada do que ele é. No entanto, isto varia com a sensibilidade de cada um. Alguns exemplos podem ser pensados sobre a sensibilidade, vejamos alguns.

Para o seu cachorro uma lâmpada fluorescente está piscando constantemente, pois o tempo de permanência da luz na retina dele é diferente do tempo de permanência na nossa retina. Se você já olhou para uma lâmpada fluorescente e teve essa impressão, de que ela estava piscando bem rápido, para alguns animais, ela realmente está. Em termos de coisas que não nos são sensíveis, boa parte está nos efeitos de ondas eletromagnéticas. O wifi não existe para nós, apenas para os sensores dos nossos smartphones. O céu não é azul para os pássaros, é violeta, dado que eles enxergam em outra faixa do espectro. A noite não é silenciosa para os morcegos, é infestada de ecos agudos. E os insetos têm um senso estético de beleza super aguçado, pois as plantas desenvolveram flores multicoloridas com infinitos cheiros e sabores no intuito de cativá-los. Isto bem antes de que o ser humano sequer existisse para filosofar sobre o que é belo.


Nesta discussão do transcendental de Kant, é interessante citar a alteração da realidade sensível do ponto de vista dos alucinógenos. Drogas como o LSD, Psilocibina, MDMA, DMT e outras presentes em coquetéis ritualísticos, como a Ayahuasca, são conhecidas por alterar drasticamente a sensação da realidade. Um efeito cientificamente registrado, e que é comum a todas estas drogas, é a Dissolução do Ego. Este é o termo dado ao relato de quando não há mais distinção entre o espaço ocupado pelo corpo e o restante do universo. É quando alguns alegam o contato com uma ordem cósmica, ou espiritual, maior. Os budistas chamam esse estado de Nirvana, uma palavra do Sânscrito que descreve a sensação de completude do ser frente às necessidades do corpo. Não se sente fome, sede, libido ou qualquer outra coisa, apenas um estado de graça que parece ser eterno. 

Do ponto de vista neurológico, certas partes do cérebro, que antes não se comunicavam, passam a operar plenamente suas conexões. Pesquisadores do Imperial College perceberam que as imagens neurais do cérebro, sob efeito do LSD, são similares às do cérebro de um bebê, que é menos compartimentado e mais livre [1]. Isto se traduz sensorialmente em sinestesias e na percepção de fenômenos antes inacessíveis. De certa forma, é a confirmação da alegação transcendental de Kant.

Outro efeito comum da experiência com psicodélicos é a alegação de elevado autoconhecimento causada pela experiência, que se traduz em mudanças de longa duração na perspectiva de vida dos usuários. Como consequência disto, estas drogas são fortemente estudadas no tratamento para Transtornos de Estresse Pós-traumáticos (TSPT), vícios em outras drogas, ansiedade e depressão. Particularmente, duas das revistas médicas mais conceituadas no mundo, a New England Journal of Medicine e a Nature Medicine, recentemente publicaram estudos com resultados promissores no tratamento destas doenças com o uso de psicodélicos [3], [4]. O FDA americano, órgão equivalente à ANVISA no Brasil, pediu que as pesquisas fossem aceleradas devido resultado promissor da pesquisa.


REFERÊNCIAS

[1] KANT. I. Crítica da Razão Pura. 1787. Tradução de J. Rodrigues de Merege. Créditos da digitalização: Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia). Obra disponível em: <Domínio Público - Pesquisa Básica (dominiopublico.gov.br)>  . Acesso em: 08/09/2021. 


[2] CARHART-HARRIS, Robin L. et al. Neural correlates of the LSD experience revealed by multimodal neuroimaging. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 113, n. 17, p. 4853-4858, 2016. Disponível em: <https://www.pnas.org/content/113/17/4853> Acesso em: 17/09/2021.


[3] CARHART-HARRIS, Robin et al. Trial of psilocybin versus escitalopram for depression. New England Journal of Medicine, v. 384, n. 15, p. 1402-1411, 2021. Disponível em: <https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2032994?> . Acesso em: 08/09/2021.


[4] NUTT, David J.; DE WIT, Harriet. Putting the MD back into MDMA. Nature Medicine, v. 27, n. 6, p. 950-951, 2021. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/s41591-021-01385-8>. Acesso em: 08/09/2021.

segunda-feira, 22 de março de 2021

Sobre a natureza contraditória dos humanos

Humanos criam seus próprios monstros.

"Os mortos recebem mais flores que os vivos porque o remorso é mais forte que a gratidão." 


Vivem os homens em função da vaidade. Não é a liberdade, mas a vaidade, a nossa própria substância. Depositam os homens seus corpos em caixões suntuosos, dentro de elevados mausoléus faz-se perpetuar o respeito por aquilo que um dia foi alguém. É a voz da vaidade que atribui significado às cinzas frias de uma urna, mas não só a isso, a absolutamente tudo. Maldita voz que subverte até mesmo as leis naturais.


"Poucas vezes se expõe a honra por amor a vida, mas quase sempre se sacrifica a vida por amor a honra. Com honra se adquire, se consola, o que perde a vida. Porém, o que perde a honra, não lhe serve de alívio a vida que carrega"

Diz-se que, quando Lúcifer viu o próprio reflexo, pela primeira vez pensou no "eu", achou-se belo, tornou-se pesado, e caiu. Levou consigo 1/3 dos anjos do paraíso, deu origem ao inferno e soltou a máxima "Eu prefiro ser Rei no inferno do que escravo no Céu". Seria este o peso da consciência? Então a própria consciência nos faz monstros. É como disse Sartre, a necessidade de dar significado a tudo faz do homem escravo da própria liberdade, e ninguém sabe lidar com isto, é o próprio inferno.

A imagem deste post é uma criança com remorso. É contraditório, pois toda criança deveria ser livre de vaidades. Se uma criança lhe ofende, só lhe resta aceitar o que ela disse, se ela lhe elogia, ganha-se o dia. Qual monstro é o pior? O que não tem vaidades ou o que se compõe todo dela? Nenhum. O único monstro é isto que acontece na nossa mente. Crianças podem ser monstruosas, mas apenas porque damos um significado ao que elas fazem.

sábado, 27 de fevereiro de 2021

Sobre girar e rodar (escrito em inglês)

You have to dive in thougths to start thinking why rotations are exceptional. Every day we see things moving, in moviment we have 2 types: translations and rotations. What is especial abouth the second? Give it a try, it's possible to rotate only with translations? Yes, around another object it's possible, but around the object itself, no.

Rotations and translations are independent, they exist like a fundamental particles, like eletrons and neutrinos. Rotations can be decomposed in translations (the thing rotating must have some dimension) but translations can't be decomposed in rotations. Before you ask: "There is something with no dimensions which rotattes?" Yes, eletrons. They don't have a length, but they rotate, and we can even measure it with a property called spin. How can a point rotate? Is't not easy to interpretate this. If you ask to a physicist what is the interpretation of the spin, you'll enjoy the show, because there's no correspondence in reality to make analogies. The problem keeps going more difficult when you remember the fact that electrons can be waves too. So, here we go: how it's possible to tridimensional waves rotate? Better: the waves are, in fact, probability distributions, so you have a probability function sppining. Remember the spin property citted? They are not described by a 3D rotation, it's represented by a number called quaternion, a number with 4 dimensions, three complex and one real: q = 1+ai+bj+ck, and i² = j² = k² = 1. So, take a breath, now imagine it: the spin of an eletron is a measure of probabilities rotating in 4D space... 

There's nothing in reality wich find correspondence with that. It's a inteligent answer to give to someone asking what is spin. If the physicist don't tell you that, he will start doing some funny malabarism, like saying "It's like a rotation, but it's not rotating, because there's nothing to rotate". Physicist are awsome people because they eat thougths like that in the breakfast, mathematicians also have this ability to think in things that don't exists, that can't even be imagined (like the Klein's bottle).

But there's more abouth rotations to blow your mind, Newton was one of the guys wich knew that. I'll describe he's famous mental experiment with a bucket of water to. Supose you have a bucket supended by a rope, and it's filled with water. Then, you start to twist the rope, in order to make the bucket rotate when you release it. With the water stationary, it's superficie is flat. After the bucket start rotating, the water will form a paraboloid, a concave shape. What makes the water acts like that? The centrifugal force, you'll say, but what is the origin of that force? Ask yourself, if you keep the bucket static and rotates all the universe around it, would that force appears again? In other words: is the centrifugal force relative to all the rest of the universe? 

Did not understand? Perfectly, you are here to test your abstraction capacity. I'll use translations to explain, wich are intuitive to understand. Imagine someone passing fast througth your view and screaming. You'll feel the Doppler effect, but if that person is screaming static and you pass rapidly, you'll feel the Doppler effect exactly the same way. The same is true to eletric and magnetic filds. If you are holding a wire and someone comes very fast with a huge magnet, you'll feel an electrical current in the wire. If we invert, now you are running with a wire in hands, and someone is static with a magnet, the effects should be the same, rigth? You'll still feel the eletric corrent. So, is the same true to rotations? How do you change the perspective of a rotation? When you rotates something abouth it's own center, the thing is moving relative to all the rest of the universe, so the only way to invert it is rotatting all the universe in the opossity way. 

Let me guess, you think this is a nonsense question? It is not. Ernest Mach (wich gives names to velocites like mach 1, mach 2) was a important physicits who seriously thougth abouth it [1]. He belived that all forces are relative, so when a object rotates, the centrifugal force comes from a relation between the object mass and the mass of very far stars (the significant part of the rest of the universe). In the other hand, Newton belived that when something is rotating, that object defines a ultimate center, and all the universe rotates around it. Ernest dit not like that interpretation, because the ideia of an absolute center it's regected by general relativity, and it gives a special importance to our position on the universe. Newton first tougth abouth this ideia when reflecting abouth the consequences of rotation on Earth, the oblatness shape of our planet is a original prediction of his theory. Well, Einstein and others supported Ernest, because he was an important name to them, so now you know that the question is important.

Back to the perspective of the bucket, if all the universe is rotating, we should get the same centrifugal force on the water just by rotating all the universe in the oposite way. Otherwise, the symmetry will be broken, and in physics symmetrys are very important. Well, antecipating the answer: we don't know if it realy occurs. Any experiment proposed to prove that should focus on the measure of a constant relating both objects, but such constant would be absurdly small, because the mass of the universe it's juts to big compared with any object. To understand that think in the constant of gravitation G, it measures exactly the force between two masses of 1 Kg separated by 1 meter. The constant involving the centrifugal force would be proportional to the ratio between the mass of a object and the mass of the observable universe. We can, actually, calculate the theoretical value of that constant, because we know approximately the mass and size of the observable universe, but to measure, it's just impossible, the magnitute of the constant is something like 10^(-70). 

The experiment to measure it would also involve absurd things, like a hollow planet rotating. We know that inside a spherial shell the gravitation is null. But what if put that hollow planet to rotate? If something like a antigravitational field surge in it's interior, them it would be a evidence that rotations, indeed, causes a force relative to all the rest of the universe.

And how abouth rotating black holes?


Rotations in black holes are fabolous things to think abouth. When they rotate (every object on space is rotating), a region called "Ergosphere" is created, the analogous of Earth oblatness. But here, the space-time is being torn. Again, there's nothing in reality which finds correspondence with that, i'ts a new region of space to us. Thanks to math, we can describe it. The calculations showns that it's even possible to extract energy from there (thereby, also mass). And the coolest thing is that the region it's not beyond the event horizon, is acessible to us. Roger Penrose, another friend of Einstein, was one wich proved that. The region is permanently moving, dragging space-time around the black-hole. Here is a simulation on wikipedia wich shows an object entering the Ergosphere:



The object were going to rotate the black hole in the clockwise way, and just altered it's trajectory to anticlockwise, this is impossibly in Newtons Theory. Look at t, is the time in our referencial, t' is the time to the object. Like in the film Interestelar, the time just exploded for the object, to us the simulation ocurs on 69 seconds, to the object, almost three hours passed (9900 seconds)!

After enthering the Ergosphere the trajectory of the object is dragged, it becomes something like a gif with several images, it's like seeing different frames of time distributed in space! Now you can have a lot of fun imaging that!

Thanks for the reading


Here is an magnificent article (in portugues) abouth interpretations on the gravitational force:[1]https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1806-11172019000300701&script=sci_arttext