segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Sobre voar artificialmente


Varios botões, alavancas de controle, indicadores analógicos, alguns digitais, e um nome acima das telas: "Garmin", não acreditei. A familiar fabricante dos GPS que tanto estudei é a mesma que faz o sistema de posicionamento do bimotor? Centralizado na tela, um ângulo: era o azimute da direção. Andava no piloto automático e corrigia sua trajetória constantemente. Na minha mente imaginava a unidade de movimento inercial (IMU) corrigindo rolagem, arfagem e rumo várias vezes por segundo. Ah, esses malditos ângulos, roll, pitch e yall, quantos cabelos perdi no mestrado para entender vocês?


Imaginei a fusão dos dados de GPS e IMU pelo Filtro de Kalman, imaginei matrizes de rotação convertidas em quatérnios para evitar Gimbal lock, imaginei dados RINEX chegando às antenas em dupla frequência. Não precisei imaginar as imagens do terreno em 3D Shuttle RADAR (SRTM), pois elas estavam lá na minha frente. Giroscópios, fusão de sensores e climatologia.
Meu Deus, como é maravilhoso a tecnologia. Tão extranatural. Fingi naturalidade para conter a emoção na frente do piloto. Se pudesse, faria umas mil perguntas a ele, mas selecionava cuidadosamente cada uma delas para não perder nenhuma oportunidade.

Sobre o por do Sol



Seria a música, notas? A matemática, fórmulas? E a poesia, rimas? No alheamento da tarde, prendo a orquestra de chamas do céu em uma imagem. Você consegue ouvir? O todo é bem mais que a soma das partes. A estranha beleza, que se esvai no explicar, continua sendo em nós o motivo de viver, pois são limitadas as formas de descrever... o idelimitado modo de sentir.

Sobre as mulheres (por Matias Aires)




Matias Aires sobre a condição das mulheres em seu livro Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1730).

"(...) A vaidade e ciúme dos homens acusa as mulheres ainda antes de nascerem. As mesmas partes são juízes, por isso logo vão prevenindo os cárceres, para onde destinam aquelas infelizes, e para onde as conduzem, antes que elas se conheçam, e poucos anos depois que nascem: assim devia ser. Ali se vão acostumando aos ferros, à maneira de uma fera prêsa, que já não sente o peso da cadeia, antes com ela joga e se diverte, à proporção que a arrasta, e move. Prendem-se as feras, e também se prendem as mulheres; aquelas por causa da braveza, estas por causa da mansidão; aquelas porque se enfurecem, estas porque se enternecem; aquelas porque assustam, estas porque agradam; umas porque é necessário fugir delas, outras porque é necessário que elas fujam, e finalmente umas porque matam, e outras porque dão vida. A prisão, com pouca diferença é a mesma, os motivos são contrários. Do fundo de um deserto inculto se vão desentranhar as feras; prendem-se para que não façam mal; este é o pretexto, porém a verdade é que se prendem as feras, para que sirvam de recreio, e também de lisonja à vaidade em ver sujeito por indústria, e arte, aquilo que não se sujeita por fôrça, nem vontade."

Sobre o Augusto pensamento



Quando leio Augusto dos Anjos,
Perco o medo do escuro,
Vem-me à boca um gosto obscuro,
De um afogado a tomar banho.

Esse incomum estado estranho
Do corpo excitado no alerta,
Faz cuspir o infame esperma,
Se regozijando em novo ganho.

Mantendo a face em baixo d'água,
Vem-me a profunda reflexão n'alma,
A tal dopamina foi-me embora,

Lá fora a chuva a soprar o vento,
E dentro D'agua me livro do tormento,
Parto então para banhar lá fora.



Gozei esse soneto após um banho de chuva e uma bronha.