sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Sobre a barata no banheiro


Eu mijo sentado. Sentado se passa mais tempo apreciando aquele momento, você para, relaxa na posição, e observa com mais esmero os detalhes das coisas, quem sabe um inseto passe na sua frente? O relaxamento da bexiga é uma boa ocasião para se pensar profundamente sobre algo. Vi uma barata por trás do armário do banheiro. Não a barata toda, apenas a antena. Um fio longo, de 7 a 8 cm, que se pronunciava em movimentos ondulatórios pelo espaço. Não tinha como ser outra coisa, aquilo era uma barata adulta. Estava espreitando, tentando saber o que ocorria onde a luz bate, enquanto seu corpo permanecia nas sombras. Aquela antena balançando para fora me fez ficar ali uns 10 minutos imaginando como é ser uma barata. Uma vez, li que baratas comem qualquer coisa, menos pepino. Também não gosto de pepino. Naquele momento apenas pensava em como ela sentia o ambiente ao seu redor. Os movimentos da antena iam suavemente de um lado para o outro em ondas, será que ela sente cheiros pela antena? Não precisa ser biólogo para imaginar o quão fundamental deve ser esse órgão para o inseto, mas nas baratas ele é maior que ela própria. Imediatamente me pus a pensar em como seria ter uma antena de 2 metros enfiada na minha cabeça, com a mesma capacidade de movimento de um braço, ultrassensível, um pouco flexível, leve. Que experiências eu teria, o que sente uma barata, como pensa? Assoprei levemente aquela antena a uns 60 cm de distância. Pensei que ela fugiria imediatamente, mas não, continuou a balançar a antena para fora do armário. Eu não via a barata, se a estivesse vendo sentiria nojo. Infelizmente a minha empatia por insetos é quase inexistente. Faço experiências com eles que lembram uma criança sádica aprisionando borboletas em potes. Se a estivesse vendo com certeza teria tentado o baraticídio. Aquela antena ondulando no espaço me cativou de um modo que me lembrou a infância, quando percebia o mundo como ele realmente é, não pelos olhos de um adulto complexado. Deu até vontade de puxar, mas que dor horrível sentiria a barata. Será que insetos sentem dor igual a nós? Acredito que sim, mas a ciência ainda não sabe. Pare pra pensar um momento, como seria sentir o calor do corpos por uma antena, sentir a brisa mais suave possível, ouvir a vibração do mundo por uma antena maior do que você. Me lembra a Ideologia Transcendental de Kant. Não posso saber mais sobre o mundo do que o permitido pelos meus sentidos. É impossível saber o que pensava ou sentia aquela barata no escuro, mas é gostoso imaginar. Imaginar que talvez ela soubesse que eu estava ali. Que queria me conhecer, se sou presa ou predador, qual o meu cheiro, qual a intensidade dos meus movimentos. Cada ser tem uma assinatura de movimento que se traduz na sua vibração do ambiente, não falo de misticismo, mas de força peso mesmo, de velocidade de particular dos membros. Será que ela distingue isso? Será que poderia me diferenciar da minha irmã pelo movimento do ar ao meu redor? Pela intensidade da minha pegada? Incrível mundo eu te venero, quantos segredos não residem dentro de um miserável ser. Lembro de ter lido em algum lugar que os pelos da barba de um tubarão são os sensores elétricos mais sensíveis conhecidos pelo homem. A imaginação me leva a pensar as experiências dos peixes, telepatia não seria um problema na água. Se os sinais elétricos sãp conduzidos por ela de forma tão eficiente, é perfeitamente possível que os peixes se comuniquem por telepatia. São experiências transcendentais para nós. O que os humanos têm que transcende as outras espécies? Com certeza a angustia de ser consciente é uma experiência transcendente. 


"As antenas desempenham um papel fundamental na sobrevivência da barata servindo não apenas como elemento de direção, mas também podendo captar vibrações no ar ou ainda cheirar alimentos. E é também por causa das antenas que elas conseguem sair correndo antes mesmo de você chegar até elas." Imagem do IFMG


quinta-feira, 21 de julho de 2022

Sobre reflexões lúcidas dentro de um sonho

    Escrevo esse texto exatamente às 15:35 e me arrependo de não o ter começado antes. Por volta das das 10:30 sonhei o sonho mais lúcido da minha vida, algo que me pareceu surreal por não ter nada de surreal. Um sonho consciente, sem nenhuma alucinação, totalmente normal e em um nível de lucidez que nunca experimentei antes. Dentro do sonho tive diálogos sobre o próprio sonho em si. O motivo do meu arrependimento é que, por não ter descrevido o que aconteceu às 10:45, quando me levantei, esqueci de boa parte dos detalhes, em especial, me esqueci das respostas que meu pai deu quando o respondi que sabia que ele não era real. 

    Não lembro exatamente como o sonho começou, mas me lembro exatamente quando me dei conta de que estava sonhando. O sonho se passa na rua de minha casa e estou caminhando. Dobro a esquina e vejo minha avó materna chegar com umas sacolas de compras. A cumprimento. Minha avó fala algo e imediatamente entra em uma casa que nunca morou. Seu aspecto era bem mais jovem e eu sei de onde retirei aquela visão. Minha mãe havia enviado algumas fotos antigas para mim exatamente na noite antes de sonhar. Não lembrei disso no sonho, mas quando vi minha vó mais jovem, imediatamente me dei conta de aquilo não poderia ser real, pois seu aspecto está bem diferente hoje.

    O que aconteceu depois disso? Não despertei, o sonho continuou normalmente, calmo, sem perturbações. Eu estava completamente consciente de que aquilo era um sonho e comecei a fazer reflexões a respeito deste fato.

    O que acontece quando percebemos que estamos sonhando? Se você já teve um sonho lúcido, sabe que normalmente o sonho se torna instável naquele momento, começamos a tentar manipula-lo apenas pare ele acabar logo em seguida. Mas não tentei manipula-lo dessa vez, o que aconteceu foi o oposto, eu lembro de ter mantido a calma e começar a pensar sobre o quanto aquilo era estranho. Resolvi, então, retornar para minha casa. No caminho vou reparando nos detalhes de cada objeto, tento notar algo de estranho mas não vejo nada fora do real. Já dentro de casa lembro-me do ditado que diz "me belisque se eu estiver sonhando" e dou vários beliscões no meu braço esquerdo, nada acontece. Comecei a rir mais lúcido ainda, pois lembro de sentir os beliscões com clareza sabendo que aquela sensação não era real.

    Atravessando minha casa avisto meu pai no quintal pela porta da cozinha, ele está trabalhando na mesa do lado de fora, de costas para mim, uma cena habitual que vi várias vezes ao longo da minha vida. Antes de começar a conversa, eu o alerto.

    - Pai, sei que estou sonhando, mas vou conversar com o senhor.

    Ele solta um sorriso besta, daqueles que iniciam uma boa conversa e questiona:

    - Mas como você sabe que está sonhando?

    - Eu acabei de ver a vó Ana na esquina entrando numa casa que ela nunca morou.

    Ele solta um sorriso levemente mais alto e diz:

    - quer dizer que tu tá sonhando e não acordou ainda? 

    - é exatamente isso. É estranho, caminhei da esquina até aqui, entrei em casa, me belisquei e até tentei reparar em algo fora do normal, mas não vi nada. Até agora não acordei.

    - então tudo isso aqui é teu sonho?

    - Sim, tenho certeza.

    Digo que conversa foi mais longa e não consigo me lembrar mais, o que é estranho, pois eu lembrava no instante em que acordei, mas os sonhos são assim, efêmeros, se vão num piscar de olhos. Não anotei nem mandei áudio para o meu pai descrevendo o sonho. Senti vontade de fazer isso na hora, mas não queria usar o celular após abrir os olhos. Lembro agora, neste exato momento em que escrevo, que em cima da mesa estava o infame rádio que meu pai sempre carrega consigo, estava tocando alto enquanto ele trabalhava, e no rádio tocava uma música do Pink Floyd.

    Veja o quanto é estranho, narrar o sonho aqui me faz lembrar de detalhes que eu havia perdido. Este texto agora se desenvolve conforme a minha memória avança, mas é assim mesmo, as memórias de um sonho são sutis e fáceis de se perderem. Discorrer sobre elas é um bom exercício. Outra coisa estranha é que sei que tocava Pink Floyd, mas não consigo lembrar a música. Durante o banho, após levantar, ouvi Pink Floyd na tentativa de lembrar qual música tocava no sonho, mas em vão.

    O sonho não acabou após o diálogo com meu pai no quintal. Lembro que peguei um cabo de vassoura nas mãos e comecei a balança-lo rapidamente de um lado para o outro, fiz isso no intuito de testar a capacidade do meu sonho de simular o movimento. Percebi que o cabo simplesmente desaparecia de um lugar para outro. Nem me dei o trabalho de comentar ou mostrar o comportamento estranho do cabo para o meu pai, pois estava ciente de que aquilo era um sonho, se meu pai era parte do sonho, então não poderia perceber as sutilezas do que eu via, ele era simplesmente uma simulação feita em meu subconsciente com as memórias que tenho do meu pai. Apesar de saber disso, naquele momento, ele era extremamente real.

    Dei mais alguns passos até o beco e continuei com o cabo de vassoura na mão. Depois de mais alguns testes resolvi aceitar o fato estranho daquele sonho ser extremamente estável. Se eu não vou acordar, pensei, agora vou aproveitar para tentar manipular o sonho, e neste momento eu acordo. Como sou um pervertido, tentei criar uma certa mulher nua. 

    Tudo isso me causou tantas reflexões que descrevi o sonho para meu pai. A capacidade de refletir tantas vezes dentro do sonho sobre ele em si me marcou profundamente. Em nenhum momento isso perturbou o sonho em si, tenho 26 anos e não recordo de nada igual na minha vida, em geral, a experiência foi prazerosa e espero tê-la mais vezes.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Sobre Petrópolis

A mãe, que perdeu toda a esperança,
Ouve, entre os gritos da madrugada,
O pai procurar a filha soterrada,
Pela chuva que destrói a vizinhança.

Com as mãos firmes na enxada,
Lama e desgraça são o sentimento, 
Que engasgam as gargantas no tormento, 
De cavar a própria filha na calçada.

Chuva de desastres, dor e negligência,
Quantas mortes fará a incompetência,
Destes escolhidos administradores,
  
Que inundaram de mortes fevereiro, 
E sujam de lama o Rio de Janeiro,
Em sua eterna troca de favores?

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Sobre o Metro


Crês que no nosso universo exista
Algo fundamental igual ao metro
Para os homens, indispensável teto,
De sua mente inábil e finita?

Acredita no inexato segundo,
Que submete o tempo à contagem,
E no universo mede a passagem,
Do eclíptico sol que gira o mundo?

Pois há, e se adapta na gravidade,
Diz a medida da relatividade,
Na curvatura duma geodésica,
 
Que o caminho reduzido no tempo,
Altera o quilo e o comprimento,
Da fibra espaço-tempo cinésica.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Sobre a Crise Existencial - Um soneto

Escrevi esse poema pensando nos Teoremas da Incompletude de Gödel. Gödel demonstrou o preço que a matemática paga para ter consistência: uma eterna incompletude. Como demonstrou? Pela contradição infinita, literalmente! Tão literal que escreveu em aritmética. Preto no branco, tão sólido quanto 2+2 é 4, e por isso se chama Teorema (o espetáculo!). A conclusão contraditória do Teorema elevou o contraditório ao extremo no pensamento lógico. Se é prazerosa a descoberta, melhor ainda se demonstrarem que ela é infinita.

Saber que nunca saberemos tudo o que pode ser sabido me faz idolatrar a dúvida. O destino final é que não existe destino final. Ela é incompleta sempre! Jamais perfeita (do latim per fecto, totalmente feito). Jamais fechada. Sempre idelimitada, tal como é nosso pensamento. O único sistema capaz de suportar a contradição. Não a toa o ser humano é definido pelo contraditório.


Se o conhecimento fosse finito, que faríamos nós se o encerrássemos? Louvado sejam os Teoremas da Incompletude de Godel! Autor da mais profunda Crise Existencial! Senhor da contradição e da Incompletude.
Viva eternamente, Gödel.



Crise Incompletudinal 

Cansado de procurar a suposta
Contradição de maior pureza
Na função inversa da resposta
Me abraço com a incerteza.

Sutil contemplação da natureza
Nunca serás epistemológica,
Pois é inconsistente à beleza
Uma demonstração pela lógica.

Mãe metafísica das ciências
Pergunte para a omnisciência
Se conheces o indemonstrável

Pois de certo o mais formidável 
Esforço último da razão
É a incompletude da contradição.


domingo, 2 de janeiro de 2022

Sobre a Crise Existencial

Quando penso na natureza, na mente, me vem a imagem da incerteza.
Um pensamento que não se realiza, mas se materializa, em crise existencial.
Vejo sentido em tudo, mas o porquê, não sei, me escapa o essencial.

Faminto por entendimento, me desencarcero do cotidiano que entretém,
Cansado de procurar, prefiro acreditar que, transcendendo, exista algo além.
É que isto tudo não se pode explicar, completo, por ninguém.

Metafísica ou ciência, em nenhuma se reduz a natureza,
são mil mistérios de incertezas e respostas que encantam, 
a porta de mil perguntas novas, e para com todas elas eu me espanto.

Na iminência de dizer o que penso, não sei mais nem o que digo.
Talvez, em algum lugar deste mundo, no pensamento profundo
do inconsciente de um incompreendido, lidas as palavras
aqui despostas, de alguma forma elas serão as respostas,
procuradas por este indivíduo.