domingo, 19 de maio de 2024

Deus da Sacanagem

Se os sonhos são as janelas do nosso inconsciente, o que significa o sonho que tive hoje? Já foi sonhado outras vezes, o que me assusta ainda mais. Comi minha irmã, calada, não dizia nada enquanto eu lhe despia. Quando meu consciente desperta, lembro dela. Acordado não sinto absolutamente nada. Sinto até repulsa. Ela não tem uma só característica física que aprecio e busco nas mulheres que almejo. Baixa estatura, sem definição, pouco cabelo, sem interesse por questões científicas ou metafísicas, pouca agilidade em tecnolgia e calva antes dos 30 anos, como eu. Gostaria que meu subconsciente explicasse isso. 


Que profundo enigma da mente. Sentir duas coisas tão contrárias no mesmo ser. Sempre essa maldita contradição, parece-me que sou perseguido por paradoxos desde a infância. Me dou conta que desde novo sou apresentado a conteúdos que exploram absurdos, da Mecânica Quântica ao subconsciente, da matemática não euclidiana aos teoremas da incompletude  de Gödel. Me recordo de jogos em múltiplas dimensões, filmes de viagens no tempo, livros sobre a Teoria do Caos e músicas sobre sob alucinógenos.


Hoje me sinto na Ilha do Medo, limites entre a lucidez e a loucura se tornam cada vez mais tênues. Me vejo mais calvo, talvez, por que envelheci 10 anos para além de minha idade e aparência. Sinto que finalmente estou embriagado com o mar de existencialismo no qual foi naufragada a minha vida. 


Em sonho sou uma coisa, acordado, sou outra. Não deveria ser possível sentir sensações opostas ao mesmo tempo. A descoberta do inconsciente está para a psicologia como o átomo está para a Física. Pilares fundamentais de ambas ciências, em vez de fornecerem solidez e consistência, romperam com a estrutura do pensamento humano. Não bastasse isso, em 1924 Godel cartografou o paradoxo para dentro da matemática. O golpe foi belo e poderoso, com a força de um Teorema, contradisse a mais sólida lógica. Dentro da aritmética, Gödel encontrou uma fórmula que diz: eu não posso ser provada e sou a prova de si mesma.


Nascem os Teoremas da Incompletude prestando à Matemática o mesmo serviço de disrrupcão que o inconsciente e o átomo prestaram à Psicologia e à Física. O que todas estas revoluções tem em comum? Elas retornam o ser humano para o nada. Escancaram o vazio que existe dentro de nós, que encontra correspondência na contradição. Disrrupturas, paradoxos do simultâneo, do ser e do não ser (onda/matéria), do sentir e não sentir (consciente/subconsciente), do poder não ser verdadeiro nem falso (completa/inconsistente).


Kierkegaard, Durkheim, Froid, Jung... a consciência é um problema insolúvel de nossa parte. Que melhor experimento de demonstração para isso do que ler Fernando Pessoa? Dezenas de Pessoas que nunca existiram escritas pela mente do sonhador, pessoas que conversam, choram, brigam, todas num único sonho de uma única pessoa que não existe.


Deve-se deixar de pensar nessas coisas o mais rápido possível. Temo que as singularidades das quais falamos invocam vórtices que engolem tudo como um buraco negro em nossa mente. Esse aprofundamento na contradição causa rupturas sinistras no tecido da nossa personalidade. Temo ser levado para lugares onde a lógica e o social não valham mais que qualquer coisa. Quem sabe esse processo esteja a ocorrer no exato momento em que escrevo isso. Quem sabe seja Deus um tremendo sacana que ri da nossa crise existencial. Um Deus da sacanagem. Que busque levar todos os seres humanos para a mesma miséria existencial, só para ver até onde vai a loucura. Se eu fosse Deus, faria isso.

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